quarta-feira, 18 de junho de 2008

1º de Junho - Dia Municipal dos Bacamarteiros de Carmópolis

Jornal da Cidade - Aracaju/SE
04 de junho de 2008
Caderno Cidades - Coluna Opinião - Página B-6

http://2008.jornaldacidade.net/2008/noticia.php?id=4999

O Batalhão de Bacamarteiros de Aguada, povoado do município sergipano de Carmópolis, é um dos grupos folclóricos mais antigos do Estado. Sua origem remonta a meados do século XIX, quando populares saíam às ruas para festejar os santos do ciclo junino com cantos, danças e tiros dos bacamartes. Desde então, esta tradição é transmitida de geração a geração, mantendo vivos laços de identidade entre as diversas famílias que dela participam.


Tradicionalmente, a partir do dia 1º de junho, os integrantes do folguedo começam a preparação da munição dos bacamartes e dos instrumentos musicais que serão utilizados nas apresentações durante as festividades do ciclo junino. É nesta data que, há dois anos, é comemorado o Dia Municipal dos Bacamarteiros, instituído pela Lei 756 de 21 de junho de 2006.


A “brincadeira”, como o folguedo é chamado por seus integrantes, é composta por cerca de sessenta pessoas entre homens, mulheres e crianças que festejam suas tradições dando tiros de bacamarte, cantando os cheios (músicas) e dançando o samba de coco. Os “brincantes” usam roupas típicas do período junino: as mulheres vestem vestidos estampados, chapéus de palhas e sandálias de couro e os homens usam camisas do mesmo tecido da mulher, calça jeans, chapéu e sandálias de couro.


À primeira vista, a apresentação do Batalhão é bastante simples. Porém, guarda em suas expressões um interessante mundo de símbolos. Sempre dançando e cantando, o grupo segue perfilado sob o comando de “sargentos” – como verdadeiros batalhões de atiradores – até o local da apresentação. Quando lá chega, o perfilamento é desfeito e o tiro dos bacamartes se mistura ao samba de coco.


No grupo de Aguada, o tiro do bacamarte é sua maior expressão. Para atirar, cada membro toma posições desafiadoras numa forma de competição, nele não há vencedores e sim brincantes. Apesar de não ser proibido às mulheres, no grupo de Aguada ainda só os homens atiram. Conforme o líder do grupo, sr. Idelfonso Cruz Oliveira, os tiros têm outra função: além de atrair a audiência, os disparos ensurdecedores servem também para espantar as almas más.


O samba de coco, não menos importante, é o segundo elemento do folguedo. Segundo o folclorista Luís da Câmara Cascudo, trata-se de uma dança popular nordestina, marcada pela batida dos pés e cantigas. Ritmo musical de origem africana, o samba é liderado por um “tirador” de versos fixos ou improvisados, enquanto os demais repetem ou respondem com outros versos. Todos os utensílios do grupo são fabricados de modo artesanal, com matéria prima da região, pelos próprios integrantes. Os instrumentos musicais (pandeiros, ganzás, reco-recos e onças, também chamadas de ronqueira), por exemplo, são produzidos a partir de couro de gato e madeira das matas nativas.


A origem do Batalhão de Bacamarteiros de Aguada é questão em aberto. Como já foi dito, a cultura popular é passada de geração a geração de forma oral. Cada nova geração agrega a ela novos contornos, novas particularidades, mas é possível extrair traços da época que viu nascer esta tradição a partir de suas características e depoimentos dos brincantes mais antigos.


O nome do folguedo traz uma primeira informação: bacamarte é uma antiga arma de fogo de cano curto e largo que no Brasil foi difundido após a Guerra do Paraguai, que aconteceu entre 1865 e 1870. Assim, é plausível estabelecer um dos marcos da história do grupo: comemorar o período junino com tiros de bacamarte possivelmente não surgiu antes de meados do século XIX.


Outra informação histórica do grupo é dada por Teresa Ramos, ou simplesmente Dona Teresinha, que há seis décadas faz parte do Batalhão. Segundo ela, a brincadeira surgiu em tempos muito recuados e se destinava à celebração dos santos juninos em gratidão a boa colheita. Ao som do samba de coco, populares (muitos deles escravos em folga pelo trabalho do ano) saíam de engenho em engenho festejando em homenagem aos santos, aos donos das casas visitadas ou às pessoas que paravam para assistir a brincadeira. Desta forma, o folguedo surgiu como uma celebração pelo fim de mais um ano de trabalho nas lavouras.


A introdução do bacamarte no grupo de Aguada é uma questão incerta. Ainda segundo Dona Teresinha, a explicação passada de geração em geração diz que pessoas vindas da “Guerra do Brasil” (como ela se refere à Guerra do Paraguai) com bacamartes, começaram a participar dos festejos juninos dando tiros como se fossem fogos de artifício. No entanto, ela não sabe afirmar exatamente quando isso aconteceu. Assim ela conta: “meu pai me dizia que os mais antigos diziam a ele que foram uns home que veio da guerra do Brasil e ensinou aos outros a usarem a pólvora. Daí é que começa a usar as riuna, que era feito de um pedaço de pau com ferro que colocava pólvora e puxava e soltava e explodia”.


De fato, esta manifestação pode ter surgido em época anterior à Guerra do Paraguai como divertimento e celebração dos negros, ligado aos ciclos das colheitas juninas. Em fins do século XIX (provavelmente, a partir dos anos 70), de rodas de samba de coco, esses brincantes teriam sofrido influências de ex-combatentes e agregaram ao festejo o uso dos bacamartes e passaram a organizar o grupo.


Texto: Jairton Rodrigues e Lucas Passos (Graduandos em Licenciatura em História pela UFS)

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