sexta-feira, 3 de abril de 2009

Notas para a História do Povoado Mussuca

Jornal da Cidade - Aracaju/SE
01 de abril de 2009
Caderno Cidades - Coluna Opinião - Página B-6


Em pesquisa realizada nos jornais sergipanos do século XIX, me chamou a atenção diversas notas referentes a ações do governo da Província de Sergipe na Mussuca, povoado do município de Laranjeiras, distante 07 km da sede municipal e 20 km de Aracaju. A localidade é, talvez, o mais conhecido reduto da cultura afrodescendente de Sergipe. A ela foi atribuída, pela Fundação Cultural Palmares, o título de comunidade remanescente quilombola em 2006.

Até o momento, foram encontradas treze pequenas notas em onze edições do Jornal do Aracaju, que circulou entre 1870 e 1879. Todas elas foram publicadas entre janeiro e julho de 1875, na seção “Parte Oficial”, onde se publicava um extrato das atividades do Presidente da Província (uma espécie de Diário Oficial da época).

A primeira nota foi publicada na edição de 16 de janeiro de 1875. Traz o expediente do governo do dia 30 de dezembro de 1874 quando este comunicou à tesouraria provincial que o senhor Leonidio Ramos Leite havia “reassumido suas funções de professor do povoado da Mussuca por ter concluído o curso normal”. Quatro dias depois, na edição seguinte, uma segunda nota informa o despacho favorável do governo, no dia 11 de janeiro de 1875, para o requerimento do mesmo Leonidio Ramos Leite, que solicitou ter seus vencimentos pagos, daquele momento em diante, pela estação fiscal da cidade de Laranjeiras.

Na edição 553, de 23 de janeiro de 1875, está o documento de maior relevância: um edital da Secretaria da Instrução Pública abrindo concurso para preenchimento de diversas “cadeiras” em vilas e povoados da província. Lastimavelmente, dos cinco parágrafos que compõem o texto, os quatro primeiros estão rasgados, impossibilitando sua leitura. Ainda assim, no último e único parágrafo inteiramente legível, lê-se que, para as cadeiras do sexo feminino, as vagas estavam nos povoados dos Outeiros, do Socorro e da Aguada; e as do sexo masculino, nas vilas de Santa Luzia, Lagarto, Simão Dias e Japaratuba; e nos povoados de Santo Antônio do Aracaju, Outeiros do Maroim, Curral de Pedras, Lagoa Vermelha, Campo do Brito, Várzea do Gama, Cajueiro, Santa Rosa, Mussuca, Espírito Santo e Carrapicho.

Um outro documento relativo à Mussuca vem na edição de13 de fevereiro de 1875. Consta dele que a senhora Cândida Rodrigues de Faro, “professora pública do ensino primário do povoado da Mussuca”, teve atendida sua requisição de pagamento dos vencimentos dos meses de outubro a dezembro de 1874 e janeiro de 1875 pela tesouraria provincial, visto que não há dinheiro na Exatoria de Laranjeiras, onde até então a suplicante recebia. Novamente, com referência à professora, despacho publicado em 12 de fevereiro de 1875, alude a sua solicitação para a província lhe restitua 190$ réis, “que pagou de aluguéis da casa onde funcionava sua aula até janeiro de 1875”. Solicitou ainda que, daquele momento em diante, tais aluguéis fossem pagos à proprietária da mesma casa diretamente pela Exatoria de Laranjeiras.

Três meses depois, na edição de 29 de maio de 1875, o Jornal de Aracaju publica um despacho favorável sobre um requerimento do professor Leonidio Ramos Leite para pagamento de seus vencimentos pela Tesouraria Provincial. Nesta mesma edição, consta que Gracinda do Amor Divino, “professora nomeada para o povoado da Mussuca”, requereu o adiantamento da quantia de 100$000 réis para as despesas de seu transporte até o local.

Uma outra notícia sobre o famoso povoado vem na edição de 02 de junho de 1875. Diz ela: “foi removido o professor público da Mussuca, Leonidio Ramos Leite, para a vila do Riachuelo, conforme requereu e em virtude de proposta do diretor da Instrução Pública, ficando sem efeito a sua remoção para a vila do Riachão”. A edição de 23 de junho de 1875, informa que o substituto foi o professor Antonio Baptista d'Oliveira Valladão. O mestre, no dia 18 do mesmo mês, deixou o exercício da cadeira do bairro de Santo Antonio do Aracaju para assumir as funções da do povoado da Mussuca. Ainda nesta edição, o governo provincial ordena à tesouraria que abrisse concorrência pública para o “fornecimento dos objetos requisitados pela Diretoria da Instrução Pública para uso da escola de ensino primário do povoado da Mussuca, regida pelo professor Antonio Baptista de Oliveira Valladão, sendo: uma mesa com dez palmos de comprimento, de madeira de louro envernizada, duas carteiras de louro envernizadas, quatro cadeiras singelas de vinhático envernizadas, um quadro negro para exercícios aritméticos e uma cadeira de braços envernizada”.

Na edição seguinte, o Jornal do Aracaju informa que “os professores do ensino elementar dos dois sexos do povoado da Mussuca, Antonio Baptista de Oliveira Valladão e d. Mariana Correia da Cunha Valladão, assumiram no dia 28 de maio findo a regência de suas cadeiras”.

A penúltima nota relativa à Mussuca do Jornal do Aracaju, está na edição de 07 de julho de 1875. A Tesouraria Provincial, mais uma vez, abre concorrência pública para o fornecimento da mobília requisitada para as aulas do sexo masculino do Rosário, Mussuca e Taiçoca, e do sexo feminino de Itaporanga.

A última nota por mim encontrada no Jornal do Aracaju sobre a Mussuca, está na edição de 10 de julho de 1875. Ela diz respeito ao requerimento do já citado professor Leonidio Ramos Leite, solicitando que seja transferido da Mussuca para o Riachuelo; e não para vila do Riachão como havia determinado o ato do presidente da província.

Como atestam estes treze pequenos documentos, a Mussuca foi, em fins do século XIX, uma das mais importantes localidades da cidade de Laranjeiras, visto que nesta época já contava com a presença de ações do governo provincial através da contratação de professores para a educação pública de seus moradores.

Texto: Lucas Passos (Licenciado em História pela UFS)


quarta-feira, 18 de junho de 2008

1º de Junho - Dia Municipal dos Bacamarteiros de Carmópolis

Jornal da Cidade - Aracaju/SE
04 de junho de 2008
Caderno Cidades - Coluna Opinião - Página B-6

http://2008.jornaldacidade.net/2008/noticia.php?id=4999

O Batalhão de Bacamarteiros de Aguada, povoado do município sergipano de Carmópolis, é um dos grupos folclóricos mais antigos do Estado. Sua origem remonta a meados do século XIX, quando populares saíam às ruas para festejar os santos do ciclo junino com cantos, danças e tiros dos bacamartes. Desde então, esta tradição é transmitida de geração a geração, mantendo vivos laços de identidade entre as diversas famílias que dela participam.


Tradicionalmente, a partir do dia 1º de junho, os integrantes do folguedo começam a preparação da munição dos bacamartes e dos instrumentos musicais que serão utilizados nas apresentações durante as festividades do ciclo junino. É nesta data que, há dois anos, é comemorado o Dia Municipal dos Bacamarteiros, instituído pela Lei 756 de 21 de junho de 2006.


A “brincadeira”, como o folguedo é chamado por seus integrantes, é composta por cerca de sessenta pessoas entre homens, mulheres e crianças que festejam suas tradições dando tiros de bacamarte, cantando os cheios (músicas) e dançando o samba de coco. Os “brincantes” usam roupas típicas do período junino: as mulheres vestem vestidos estampados, chapéus de palhas e sandálias de couro e os homens usam camisas do mesmo tecido da mulher, calça jeans, chapéu e sandálias de couro.


À primeira vista, a apresentação do Batalhão é bastante simples. Porém, guarda em suas expressões um interessante mundo de símbolos. Sempre dançando e cantando, o grupo segue perfilado sob o comando de “sargentos” – como verdadeiros batalhões de atiradores – até o local da apresentação. Quando lá chega, o perfilamento é desfeito e o tiro dos bacamartes se mistura ao samba de coco.


No grupo de Aguada, o tiro do bacamarte é sua maior expressão. Para atirar, cada membro toma posições desafiadoras numa forma de competição, nele não há vencedores e sim brincantes. Apesar de não ser proibido às mulheres, no grupo de Aguada ainda só os homens atiram. Conforme o líder do grupo, sr. Idelfonso Cruz Oliveira, os tiros têm outra função: além de atrair a audiência, os disparos ensurdecedores servem também para espantar as almas más.


O samba de coco, não menos importante, é o segundo elemento do folguedo. Segundo o folclorista Luís da Câmara Cascudo, trata-se de uma dança popular nordestina, marcada pela batida dos pés e cantigas. Ritmo musical de origem africana, o samba é liderado por um “tirador” de versos fixos ou improvisados, enquanto os demais repetem ou respondem com outros versos. Todos os utensílios do grupo são fabricados de modo artesanal, com matéria prima da região, pelos próprios integrantes. Os instrumentos musicais (pandeiros, ganzás, reco-recos e onças, também chamadas de ronqueira), por exemplo, são produzidos a partir de couro de gato e madeira das matas nativas.


A origem do Batalhão de Bacamarteiros de Aguada é questão em aberto. Como já foi dito, a cultura popular é passada de geração a geração de forma oral. Cada nova geração agrega a ela novos contornos, novas particularidades, mas é possível extrair traços da época que viu nascer esta tradição a partir de suas características e depoimentos dos brincantes mais antigos.


O nome do folguedo traz uma primeira informação: bacamarte é uma antiga arma de fogo de cano curto e largo que no Brasil foi difundido após a Guerra do Paraguai, que aconteceu entre 1865 e 1870. Assim, é plausível estabelecer um dos marcos da história do grupo: comemorar o período junino com tiros de bacamarte possivelmente não surgiu antes de meados do século XIX.


Outra informação histórica do grupo é dada por Teresa Ramos, ou simplesmente Dona Teresinha, que há seis décadas faz parte do Batalhão. Segundo ela, a brincadeira surgiu em tempos muito recuados e se destinava à celebração dos santos juninos em gratidão a boa colheita. Ao som do samba de coco, populares (muitos deles escravos em folga pelo trabalho do ano) saíam de engenho em engenho festejando em homenagem aos santos, aos donos das casas visitadas ou às pessoas que paravam para assistir a brincadeira. Desta forma, o folguedo surgiu como uma celebração pelo fim de mais um ano de trabalho nas lavouras.


A introdução do bacamarte no grupo de Aguada é uma questão incerta. Ainda segundo Dona Teresinha, a explicação passada de geração em geração diz que pessoas vindas da “Guerra do Brasil” (como ela se refere à Guerra do Paraguai) com bacamartes, começaram a participar dos festejos juninos dando tiros como se fossem fogos de artifício. No entanto, ela não sabe afirmar exatamente quando isso aconteceu. Assim ela conta: “meu pai me dizia que os mais antigos diziam a ele que foram uns home que veio da guerra do Brasil e ensinou aos outros a usarem a pólvora. Daí é que começa a usar as riuna, que era feito de um pedaço de pau com ferro que colocava pólvora e puxava e soltava e explodia”.


De fato, esta manifestação pode ter surgido em época anterior à Guerra do Paraguai como divertimento e celebração dos negros, ligado aos ciclos das colheitas juninas. Em fins do século XIX (provavelmente, a partir dos anos 70), de rodas de samba de coco, esses brincantes teriam sofrido influências de ex-combatentes e agregaram ao festejo o uso dos bacamartes e passaram a organizar o grupo.


Texto: Jairton Rodrigues e Lucas Passos (Graduandos em Licenciatura em História pela UFS)

sábado, 5 de maio de 2007

Tejupeba - Um ilustre desconhecido marco da História de Sergipe

Em janeiro deste ano, tive o grande prazer de conhecer em duas visitas, com alguns colegas de curso, um dos ilustres desconhecidos marcos que atestam o início da história de Sergipe: Tejupeba. Trata-se de duas belíssimas edificações (uma casa e uma igreja) remanescentes da atuação dos missionários jesuítas que ali instalaram sua sesmaria no alvorecer seiscentista. Este testemunho histórico sergipano encontra-se no município de Itaporanga d’Ajuda (cerca de 40km ao sul de Aracaju), mais exatamente nos domínios da Fazenda Iolanda.

Antes de minha ida à Tejupeba, tive a oportunidade de conhecer um pouco de sua história a partir de conversas informais com o professor Dr. Francisco José Alves, que me apresentou um artigo de sua autoria que fora publicado num jornal de Aracaju em outubro último e uma transcrição da Carta dos padres da Companhia de Jesus retirada do livro História de Sergipe de Felisbelo Freire.

Tejupeba surgiu como um dos pólos de catequização da Companhia de Jesus em Sergipe, com o intuito de colaborar no povoamento da capitania de Sergipe Del Rei e na “civilização” dos gentis. Para isso, os inacianos receberam duas léguas de terra em quadro (algo em torno de 90 quilômetros quadrados) às margens do Rio Vaza-Barris e se estabeleceram no alto de uma colina que tem uma apreciável paisagem dos meandros deste rio que rasgam a vegetação da mata atlântica (que hoje é um dos seus últimos bolsões, infelizmente...) rumo ao Atlântico. No entanto, tal localização não fora ingenuamente escolhida por causa do belo horizonte que se avista a nordeste. Experientes no desbravamento do novo mundo, os padres jesuítas sabiam que esta posição geográfica era estratégica, já que a mata virgem de então impunha o Vaza-Barris como única alternativa de estrada para quem adentrava até às suas paragens. Assim, de cima da colina, os moradores de Tejupeba tinham conhecimento da aproximação dos visitantes e se preparavam para sua chegada. Seja ela amistosa ou não.

Na oportunidade das minhas visitas (com o intervalo de uma semana de uma para outra), pude constatar os trabalhos de conservação e restauração que estão sendo realizados pelos atuais proprietários e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – órgão ligado ao Ministério da Cultura que tombou ambas as construções em maio de 1943. Apesar da indiscutível necessidade da realização de reparos neste bem nacional, soube que a verba que fora liberada infelizmente não contemplará o total das obras requisitadas e que muito do que já realizado contou com o investimento de seus proprietários. Coisas do nosso Brasil...

Impressionou-me ainda mais saber que, apesar de estar bem próximo à praia da Caueira, uma das mais visitadas por turistas e sergipanos, e de se situar exatamente às margens da rodovia SE 228 que leva até este ponto turístico do litoral, Tejupeba passa longe do conhecimento e do interesse de visitantes e das autoridades responsáveis pela organização do turismo em Sergipe. Até os professores de história, inexplicavelmente ignoram este referencial da história sergipana.

Fiquei com a seguinte questão em mente: de que adianta conservar, restaurar, tombar, dizer que é patrimônio nacional se praticamente ninguém tem notícia ou importa-se com sua existência e seu significado histórico-cultural?

Algumas imagens de Tejupeba *

* Fotografias de autoria do Prof. Dr. Francisco José Alves (DHI-UFS).

[Curta estrada que liga Tejupeba à Rodovia SE 228]


[Curral - Atualmente a fazenda cria gado]


[Antiga residência dos padres jesuítas]


[Torre do sino da Igreja]


[Torre do sino da Igreja]


[Telhado da Igreja]


[Um dos poucos "bolsões" de mata nativa]



[Residência dos atuais proprietários da fazenda]


[Lucas Passos]


[Igor Teles]

[José Ailton]


[Peterson Rodrigues]




quinta-feira, 3 de maio de 2007

Os Bacamarteiros de Aguada - Etnografia e Histórico*

* Artigo ainda em fase de elaboração. Favor não referenciar.

Autores [1]
Lucas Passos (
lucaspassos@hotmail.com)
Peterson Rodrigues (
jairtonpeterson@ig.com.br)


Este artigo, dividido em duas partes, descreve o grupo folclórico Batalhão de Bacamarteiros de Aguada, povoado do município sergipano de Carmópolis (distante 47 km da capital Aracaju), e investiga suas origens. Este folguedo está ligado às festas juninas da cultura popular e há registros de outros batalhões em quase todo o Brasil, porém sua maior incidência é na região Nordeste. Como outras tradições populares que atravessam as gerações de forma espontânea, esta vêm sofrendo ao longo do tempo diversas modificações. Atualmente, cada grupo de bacamarteiros do Brasil tem particularidades. Em Sergipe, quatro cidades possuem batalhões: Carmópolis, General Maynard, Japaratuba e Capela.[2] No entanto, o Batalhão de Aguada é um dos poucos que guarda ligação com os festejos juninos e mantêm os laços entre os membros que compõem o grupo.

A bibliografia sobre este festejo popular sergipano é ínfima. Em sua grande maioria, as referências ao Batalhão de Aguada vêm juntas com dados de outros grupos folclóricos de Sergipe. Desta forma, o presente trabalho está calcado em relatos dos membros mais antigos do grupo e em observações in loco feitas pelos autores.

  • Etnografia
Os Bacamarteiros de Aguada é uma manifestação relacionada à devoção popular aos santos juninos: Santo Antônio, São João e São Pedro. A “brincadeira”, como o folguedo é chamado por seus integrantes, é composta por cerca de sessenta pessoas entre homens, mulheres e crianças que festejam suas tradições dando tiros de bacamarte, cantando os cheios (músicas) e dançando o samba de coco. Os “brincantes” usam roupas típicas do período junino: as mulheres vestem vestidos estampados, chapéus de palhas e sandálias de couro e os homens usam camisas do mesmo tecido da mulher, calça jeans, chapéu e sandálias de couro.

À primeira vista, a apresentação do Batalhão é bastante simples. Porém guarda em suas expressões um interessante mundo de simbologias. Sempre dançando e cantando, o grupo segue perfilado sob o comando de “sargentos” – como verdadeiros batalhões de atiradores – até o local da apresentação. Quando lá chega, o perfilamento é desfeito e o tiro dos bacamartes se mistura ao samba de coco.

Nesta tradição, o tiro do bacamarte é sua expressão. Segundo Alexandre Magalhães[3], no passado os tiros de bacamarte serviam como fogos de artifício, pois estes ainda não existiam na região. Os tiros têm ainda um significado mágico: afastar os maus espíritos. Para atirar, cada membro toma posições desafiadoras numa forma de competição, onde não há vencedores e sim brincantes. Executam uma coreografia marcada pelo ressoar dos tiros.[4] Apesar de não ser proibido às mulheres, no grupo de Aguada ainda só os homens atiram. Conforme o líder do grupo, os tiros têm outra função: atrair a audiência e espantar as almas más.[5]

O samba de coco é outro elemento deste folguedo. Trata-se de um ritmo musical de herança africana. A atuação é liderada por um “tirador” de músicas que canta refrãos fixos ou de improviso. O restante do grupo repete e responde criando outros versos. Organizados em rodas, todos batem palmas e sapateiam. O verbete para samba de coco existente no Dicionário do Folclore Brasileiro, do folclorista Luís da Câmara Cascudo, informa que se trata de uma dança popular nordestina, marcada pela batida dos pés e cantigas com versos improvisados ou fixos. [6]

Todos os utensílios do grupo são fabricados de modo rústico e artesanal, com matéria prima da região, pelos próprios integrantes. Os instrumentos musicais (pandeiros, ganzás, reco-recos e onças, também chamadas de ronqueira), por exemplo, são produzidos a partir de couro de gato e madeira das matas nativas.

  • Histórico
A origem dos batalhões de bacamarteiros é questão em aberto. Um dos entraves para a solução desta indefinição está na falta de hábito das comunidades populares registrarem por escrito suas ações cotidianas. A cultura popular é passada de geração a geração de forma oral e cada nova geração agrega a ela novos contornos, novas particularidades. Porém, as características do folguedo e depoimentos dos que participam deste folguedo há anos, revelam traços da época que viu nascer esta tradição.

O nome do folguedo traz uma primeira informação: bacamarte é uma antiga arma de fogo de cano curto e largo que no Brasil foi difundido após a Guerra do Paraguai, que aconteceu entre 1865 e 1870. Com isso, é possível estabelecer a primeira baliza acerca das origens desta manifestação popular. Comemorar o período junino com tiros de bacamarte não surgiu antes da década de 60 do século XIX.

Outra informação é dada por Dona Teresinha[7], uma das integrantes mais antigas do Batalhão. Segundo ela, a brincadeira surgiu em tempos muito recuados. Na verdade, tratava-se inicialmente de uma celebração dos santos juninos em gratidão pela boa colheita. Ao som do samba de coco, escravos (em folga pelo trabalho do ano) e alforriados saíam de engenho em engenho festejando e cantando versos improvisados em homenagem aos santos, aos donos das casas visitadas ou às pessoas que paravam para assistir a brincadeira. Desta forma, o folguedo surgiu como uma celebração pelo fim de mais um ano de trabalho nas lavouras.

A introdução do bacamarte no grupo de Aguada é uma questão incerta. Ainda segundo Dona Teresinha, a explicação passada de geração em geração, diz que pessoas vindas da “Guerra do Brasil” (como ela se refere à Guerra do Paraguai) com bacamartes, começaram a participar dos festejos juninos dando tiros como se fossem fogos de artifício. No entanto, ela não sabe afirmar exatamente quando isso aconteceu. Nos diz ela: meu pai me dizia que os mais antigos dizia a ele que foram uns home que veio da guerra do Brasil e ensinou aos outros a usarem a pólvora (...). Daí é que começa a usar as riuna, que era feito de um pedaço de pau com ferro que colocava pólvora e puxava e soltava e explodia. Daí começa a usar (...) [8]

De fato a manifestação pode ter surgido em época anterior à Guerra do Paraguai como divertimento e celebração dos negros, ligado aos ciclos das colheitas juninas. Em fins do século XIX (provavelmente, a partir dos anos 70), de rodas de samba de coco, esses brincantes teriam sofrido influências de ex-combatentes e agregaram ao festejo o uso dos bacamartes e passaram a organizar o grupo.

  • Referências bibliográficas
ALENCAR, Aglaé D’Ávila Fontes, Danças e Folguedos, Aracaju, Secretaria de Estado da Educação do Desporto e Lazer, 1998.

Batalhão de Bacamarteiros de Aguada, Revista do 32º FEFOL, Olímpia/SP, ago. 1996, p. 35-38.

CASCUDO, Luís da Câmara, Dicionário do Folclore Brasileiro, 9ª edição, São Paulo, Editora Global, 2000.

DANTAS, Beatriz Góis et alli, Atlas Escolar Sergipe, João Pessoa, Grafset, 2006.

  • Notas
[1] Graduandos em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Sergipe.

[2] DANTAS, Beatriz Góis et alli, Atlas Escolar Sergipe, João Pessoa, Grafset, 2006, p. 189.

[3] Alexandre Magalhães, 32 anos, Vereador do município de Carmópolis, é também pesquisador e incentivador do Batalhão de Bacamarteiros. Filho do ex-prefeito de Carmópolis Manoel Joventino Magalhães, que criou a Lei Municipal n º 274, de 22 de dezembro de 1976, que instituiu o grupo como de utilidade pública. Concedeu entrevista aos autores em 17 de março de 2007.

[4] ALENCAR, Aglaé D’Ávila Fontes, Danças e Folguedos, Aracaju, Secretaria de Estado da Educação do Desporto e Lazer, 1998, p. 218-219.

[5] Entrevista de Idelfonso Cruz Oliveira, líder do grupo aos autores em 17 de março de 2007.

[6] CASCUDO, Luís da Câmara, Dicionário do Folclore Brasileiro, 9ª edição, São Paulo, Editora Global, 2000, p. 147.

[7] Tereza Ramos ou Dona Terezinha, como é conhecida pelo grupo, tem 65 anos e está há 59 no Batalhão de Bacamarteiros de Carmópolis. É a quarta geração de brincantes. Concedeu entrevista aos autores em 17 de março de 2007.

[8] Idem