sábado, 5 de maio de 2007

Tejupeba - Um ilustre desconhecido marco da História de Sergipe

Em janeiro deste ano, tive o grande prazer de conhecer em duas visitas, com alguns colegas de curso, um dos ilustres desconhecidos marcos que atestam o início da história de Sergipe: Tejupeba. Trata-se de duas belíssimas edificações (uma casa e uma igreja) remanescentes da atuação dos missionários jesuítas que ali instalaram sua sesmaria no alvorecer seiscentista. Este testemunho histórico sergipano encontra-se no município de Itaporanga d’Ajuda (cerca de 40km ao sul de Aracaju), mais exatamente nos domínios da Fazenda Iolanda.

Antes de minha ida à Tejupeba, tive a oportunidade de conhecer um pouco de sua história a partir de conversas informais com o professor Dr. Francisco José Alves, que me apresentou um artigo de sua autoria que fora publicado num jornal de Aracaju em outubro último e uma transcrição da Carta dos padres da Companhia de Jesus retirada do livro História de Sergipe de Felisbelo Freire.

Tejupeba surgiu como um dos pólos de catequização da Companhia de Jesus em Sergipe, com o intuito de colaborar no povoamento da capitania de Sergipe Del Rei e na “civilização” dos gentis. Para isso, os inacianos receberam duas léguas de terra em quadro (algo em torno de 90 quilômetros quadrados) às margens do Rio Vaza-Barris e se estabeleceram no alto de uma colina que tem uma apreciável paisagem dos meandros deste rio que rasgam a vegetação da mata atlântica (que hoje é um dos seus últimos bolsões, infelizmente...) rumo ao Atlântico. No entanto, tal localização não fora ingenuamente escolhida por causa do belo horizonte que se avista a nordeste. Experientes no desbravamento do novo mundo, os padres jesuítas sabiam que esta posição geográfica era estratégica, já que a mata virgem de então impunha o Vaza-Barris como única alternativa de estrada para quem adentrava até às suas paragens. Assim, de cima da colina, os moradores de Tejupeba tinham conhecimento da aproximação dos visitantes e se preparavam para sua chegada. Seja ela amistosa ou não.

Na oportunidade das minhas visitas (com o intervalo de uma semana de uma para outra), pude constatar os trabalhos de conservação e restauração que estão sendo realizados pelos atuais proprietários e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – órgão ligado ao Ministério da Cultura que tombou ambas as construções em maio de 1943. Apesar da indiscutível necessidade da realização de reparos neste bem nacional, soube que a verba que fora liberada infelizmente não contemplará o total das obras requisitadas e que muito do que já realizado contou com o investimento de seus proprietários. Coisas do nosso Brasil...

Impressionou-me ainda mais saber que, apesar de estar bem próximo à praia da Caueira, uma das mais visitadas por turistas e sergipanos, e de se situar exatamente às margens da rodovia SE 228 que leva até este ponto turístico do litoral, Tejupeba passa longe do conhecimento e do interesse de visitantes e das autoridades responsáveis pela organização do turismo em Sergipe. Até os professores de história, inexplicavelmente ignoram este referencial da história sergipana.

Fiquei com a seguinte questão em mente: de que adianta conservar, restaurar, tombar, dizer que é patrimônio nacional se praticamente ninguém tem notícia ou importa-se com sua existência e seu significado histórico-cultural?

Algumas imagens de Tejupeba *

* Fotografias de autoria do Prof. Dr. Francisco José Alves (DHI-UFS).

[Curta estrada que liga Tejupeba à Rodovia SE 228]


[Curral - Atualmente a fazenda cria gado]


[Antiga residência dos padres jesuítas]


[Torre do sino da Igreja]


[Torre do sino da Igreja]


[Telhado da Igreja]


[Um dos poucos "bolsões" de mata nativa]



[Residência dos atuais proprietários da fazenda]


[Lucas Passos]


[Igor Teles]

[José Ailton]


[Peterson Rodrigues]




quinta-feira, 3 de maio de 2007

Os Bacamarteiros de Aguada - Etnografia e Histórico*

* Artigo ainda em fase de elaboração. Favor não referenciar.

Autores [1]
Lucas Passos (
lucaspassos@hotmail.com)
Peterson Rodrigues (
jairtonpeterson@ig.com.br)


Este artigo, dividido em duas partes, descreve o grupo folclórico Batalhão de Bacamarteiros de Aguada, povoado do município sergipano de Carmópolis (distante 47 km da capital Aracaju), e investiga suas origens. Este folguedo está ligado às festas juninas da cultura popular e há registros de outros batalhões em quase todo o Brasil, porém sua maior incidência é na região Nordeste. Como outras tradições populares que atravessam as gerações de forma espontânea, esta vêm sofrendo ao longo do tempo diversas modificações. Atualmente, cada grupo de bacamarteiros do Brasil tem particularidades. Em Sergipe, quatro cidades possuem batalhões: Carmópolis, General Maynard, Japaratuba e Capela.[2] No entanto, o Batalhão de Aguada é um dos poucos que guarda ligação com os festejos juninos e mantêm os laços entre os membros que compõem o grupo.

A bibliografia sobre este festejo popular sergipano é ínfima. Em sua grande maioria, as referências ao Batalhão de Aguada vêm juntas com dados de outros grupos folclóricos de Sergipe. Desta forma, o presente trabalho está calcado em relatos dos membros mais antigos do grupo e em observações in loco feitas pelos autores.

  • Etnografia
Os Bacamarteiros de Aguada é uma manifestação relacionada à devoção popular aos santos juninos: Santo Antônio, São João e São Pedro. A “brincadeira”, como o folguedo é chamado por seus integrantes, é composta por cerca de sessenta pessoas entre homens, mulheres e crianças que festejam suas tradições dando tiros de bacamarte, cantando os cheios (músicas) e dançando o samba de coco. Os “brincantes” usam roupas típicas do período junino: as mulheres vestem vestidos estampados, chapéus de palhas e sandálias de couro e os homens usam camisas do mesmo tecido da mulher, calça jeans, chapéu e sandálias de couro.

À primeira vista, a apresentação do Batalhão é bastante simples. Porém guarda em suas expressões um interessante mundo de simbologias. Sempre dançando e cantando, o grupo segue perfilado sob o comando de “sargentos” – como verdadeiros batalhões de atiradores – até o local da apresentação. Quando lá chega, o perfilamento é desfeito e o tiro dos bacamartes se mistura ao samba de coco.

Nesta tradição, o tiro do bacamarte é sua expressão. Segundo Alexandre Magalhães[3], no passado os tiros de bacamarte serviam como fogos de artifício, pois estes ainda não existiam na região. Os tiros têm ainda um significado mágico: afastar os maus espíritos. Para atirar, cada membro toma posições desafiadoras numa forma de competição, onde não há vencedores e sim brincantes. Executam uma coreografia marcada pelo ressoar dos tiros.[4] Apesar de não ser proibido às mulheres, no grupo de Aguada ainda só os homens atiram. Conforme o líder do grupo, os tiros têm outra função: atrair a audiência e espantar as almas más.[5]

O samba de coco é outro elemento deste folguedo. Trata-se de um ritmo musical de herança africana. A atuação é liderada por um “tirador” de músicas que canta refrãos fixos ou de improviso. O restante do grupo repete e responde criando outros versos. Organizados em rodas, todos batem palmas e sapateiam. O verbete para samba de coco existente no Dicionário do Folclore Brasileiro, do folclorista Luís da Câmara Cascudo, informa que se trata de uma dança popular nordestina, marcada pela batida dos pés e cantigas com versos improvisados ou fixos. [6]

Todos os utensílios do grupo são fabricados de modo rústico e artesanal, com matéria prima da região, pelos próprios integrantes. Os instrumentos musicais (pandeiros, ganzás, reco-recos e onças, também chamadas de ronqueira), por exemplo, são produzidos a partir de couro de gato e madeira das matas nativas.

  • Histórico
A origem dos batalhões de bacamarteiros é questão em aberto. Um dos entraves para a solução desta indefinição está na falta de hábito das comunidades populares registrarem por escrito suas ações cotidianas. A cultura popular é passada de geração a geração de forma oral e cada nova geração agrega a ela novos contornos, novas particularidades. Porém, as características do folguedo e depoimentos dos que participam deste folguedo há anos, revelam traços da época que viu nascer esta tradição.

O nome do folguedo traz uma primeira informação: bacamarte é uma antiga arma de fogo de cano curto e largo que no Brasil foi difundido após a Guerra do Paraguai, que aconteceu entre 1865 e 1870. Com isso, é possível estabelecer a primeira baliza acerca das origens desta manifestação popular. Comemorar o período junino com tiros de bacamarte não surgiu antes da década de 60 do século XIX.

Outra informação é dada por Dona Teresinha[7], uma das integrantes mais antigas do Batalhão. Segundo ela, a brincadeira surgiu em tempos muito recuados. Na verdade, tratava-se inicialmente de uma celebração dos santos juninos em gratidão pela boa colheita. Ao som do samba de coco, escravos (em folga pelo trabalho do ano) e alforriados saíam de engenho em engenho festejando e cantando versos improvisados em homenagem aos santos, aos donos das casas visitadas ou às pessoas que paravam para assistir a brincadeira. Desta forma, o folguedo surgiu como uma celebração pelo fim de mais um ano de trabalho nas lavouras.

A introdução do bacamarte no grupo de Aguada é uma questão incerta. Ainda segundo Dona Teresinha, a explicação passada de geração em geração, diz que pessoas vindas da “Guerra do Brasil” (como ela se refere à Guerra do Paraguai) com bacamartes, começaram a participar dos festejos juninos dando tiros como se fossem fogos de artifício. No entanto, ela não sabe afirmar exatamente quando isso aconteceu. Nos diz ela: meu pai me dizia que os mais antigos dizia a ele que foram uns home que veio da guerra do Brasil e ensinou aos outros a usarem a pólvora (...). Daí é que começa a usar as riuna, que era feito de um pedaço de pau com ferro que colocava pólvora e puxava e soltava e explodia. Daí começa a usar (...) [8]

De fato a manifestação pode ter surgido em época anterior à Guerra do Paraguai como divertimento e celebração dos negros, ligado aos ciclos das colheitas juninas. Em fins do século XIX (provavelmente, a partir dos anos 70), de rodas de samba de coco, esses brincantes teriam sofrido influências de ex-combatentes e agregaram ao festejo o uso dos bacamartes e passaram a organizar o grupo.

  • Referências bibliográficas
ALENCAR, Aglaé D’Ávila Fontes, Danças e Folguedos, Aracaju, Secretaria de Estado da Educação do Desporto e Lazer, 1998.

Batalhão de Bacamarteiros de Aguada, Revista do 32º FEFOL, Olímpia/SP, ago. 1996, p. 35-38.

CASCUDO, Luís da Câmara, Dicionário do Folclore Brasileiro, 9ª edição, São Paulo, Editora Global, 2000.

DANTAS, Beatriz Góis et alli, Atlas Escolar Sergipe, João Pessoa, Grafset, 2006.

  • Notas
[1] Graduandos em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Sergipe.

[2] DANTAS, Beatriz Góis et alli, Atlas Escolar Sergipe, João Pessoa, Grafset, 2006, p. 189.

[3] Alexandre Magalhães, 32 anos, Vereador do município de Carmópolis, é também pesquisador e incentivador do Batalhão de Bacamarteiros. Filho do ex-prefeito de Carmópolis Manoel Joventino Magalhães, que criou a Lei Municipal n º 274, de 22 de dezembro de 1976, que instituiu o grupo como de utilidade pública. Concedeu entrevista aos autores em 17 de março de 2007.

[4] ALENCAR, Aglaé D’Ávila Fontes, Danças e Folguedos, Aracaju, Secretaria de Estado da Educação do Desporto e Lazer, 1998, p. 218-219.

[5] Entrevista de Idelfonso Cruz Oliveira, líder do grupo aos autores em 17 de março de 2007.

[6] CASCUDO, Luís da Câmara, Dicionário do Folclore Brasileiro, 9ª edição, São Paulo, Editora Global, 2000, p. 147.

[7] Tereza Ramos ou Dona Terezinha, como é conhecida pelo grupo, tem 65 anos e está há 59 no Batalhão de Bacamarteiros de Carmópolis. É a quarta geração de brincantes. Concedeu entrevista aos autores em 17 de março de 2007.

[8] Idem

Algumas imagens dos Bacamarteiros de Aguada *

* Imagens retiradas do Portal Infonet [http://www.infonet.com.br/cultural/ler.asp?id=39226&titulo=noticias]